domingo, 10 de março de 2013

"Ponto de vista" semanal de Luís Costa Correia - 15.03.2013


Reflexões sobre o sistema político português.
(Ligeiramente modificadas na sequência de uma intervenção na SEDES, em 14.03.2013.)


A SEDES acaba de concretizar em sessão pública a apresentação da "Reflexão nacional sobre o sistema político português", iniciativa a que se associaram múltiplas entidades altamente relevantes no nosso País.
Nessa sessão pedi a palavra para referir os sentimentos contraditórios que tal importante iniciativa me suscitavam:
- a amargura de quem, tendo participado no movimento militar de 25 de Abril de 1974, e depois na organização dos actos eleitorais que consolidaram em 1976 a implantação da democracia, constatava haver um sentimento de profundo desânimo entre muitos portugueses por sentirem que o sistema político português não tem correspondido a grande parte dos seus anseios;
- a esperança de que a presente iniciativa venha a contribuir para uma profunda melhoria do sistema político, motivando os cidadãos para uma participação activa cujos resultados possam fazer acreditar em melhores expectativas na vida de todos nós, e levar a uma maior aproximação entre representados e representantes.
Assim, e no espírito de esperança que esta iniciativa me provocou, não quero deixar de voltar a mencionar algumas ideias que tenho publicado a propósito deste assunto.
Entre as diversas hipóteses conhecidas visando a melhoria do sistema político e a desejável aproximação entre eleitores e eleitos, a que terá muitos defensores em Portugal aponta para a criação de círculos uninominais coexistindo com um círculo nacional na eleição de deputados para o parlamento.
Porém, embora tal sistema prove relativamente bem em países de economias mais desenvolvidas e em que existe um elevado grau de confiança nos representantes eleitos em círculos uninominais bem como no funcionamento do sistema político, o facto é que no nosso país se por exemplo fossem 150 os deputados eleitos através de tal sistema caberia a cada um a representação de cerca de 60000 eleitores, pelo que é lícito perguntarmos se tal proporção possibilita diálogos consistentes e aprofundados com os seus eleitores, e que se tornam muito mais necessários em países onde a democracia não está ainda arreigadamente implantada ou onde o grau de desenvolvimento cultural e económico está longe do desejável.
Acrescentarei, para demonstrar o distanciamento entre eleitores e representados dentro do actual sistema político, nomeadamente quando os primeiros sentem que aos segundos não lhes são outorgados poderes adequados, um exemplo significativo: a freguesia onde resido tem cerca de 20000 eleitores, dos quais a assistência média às reuniões trimestrais da Assembleia de Freguesia tem sido da ordem das 8 pessoas, e de 5 no que respeita às reuniões públicas mensais da Junta.
O que se acaba de referir leva a mais uma reflexão sobre a dicotomia existente entre representação e participação na vida política, pois o aumento dos poderes de representação tem estado mais ligado às sociedades cujo grau de desenvolvimento é maior, na medida em que as pressões provocadas por uma arquitectura social cada vez mais competitiva foram reduzindo o tempo disponível para um envolvimento mais intenso na vida política, contribuindo-se assim para a manutenção de um modelo herdado de tempos em que a distância entre eleitores e centros de poder não deixava outras alternativas que não fossem a delegação de poder nos eleitos.
Estes passaram assim a constituir o que habitualmente se tem designado por “classe política”, que apoiada por uma parte dos cidadãos agregados em partidos políticos assumiu como que um estatuto de natureza profissional dentro de um processo de divisão do trabalho em que a sociedade lhes confere o exercício da direcção política do país.
Contudo este processo tem muitas limitações, na medida em que a intervenção política dos restantes eleitores apenas se consubstancia com maior incidência nos processos de natureza eleitoral, se bem que tenha aumentado uma forma de participação traduzida na troca de informações e opiniões por via electrónica – embora habitualmente com reduzidos efeitos nos períodos post-eleitorais.
De tudo isto resulta um afastamento notório entre "classe política" e partidos políticos, por um lado, e eleitores por outro, o qual se traduz nas expressões coloquiais que ouvimos e lemos todos os dias e em que o termo “eles” e as ilações a ele associadas denotam claramente a existência de um significativo fosso consequência de tal afastamento e ao mesmo tempo símbolo da falta de participação na vida pública.
Assim, uma solução para se procurar melhorar a qualidade da democracia poderia ser a de se fomentar uma maior participação dos cidadãos ao nível local, nomeadamente na vida das freguesias, através da outorga aos seus representantes de competências na eleição de outros órgãos do poder político.
Poderia deste modo competir ao colégio de Assembleias de Freguesia a eleição de um Senado com poderes significativos no processo legislativo, ou em alternativa a eleição de uma parte do Parlamento em que os restantes deputados seriam eleitos por um círculo nacional, e sempre através do sistema proporcional.
Ao reforço do poder político dos eleitos nas freguesias deveria logicamente corresponder um aumento das respectivas atribuições e competências na esfera do poder local, incluindo a redistribuição de recursos das câmaras municipais, contribuindo-se deste modo para a descentralização de que tanto se fala, a qual não pode ser só política mas também administrativa e financeira, pois aquela sem o concurso das outras ficaria bastante limitada.
Tal reformulação implicaria obviamente a reorganização do mapa das autarquias, pois uma participação política aprofundada não é compatível com a existência de freguesias com muitos eleitores.
Se os cidadãos sentirem que os representantes que elegeram directamente têm mais capacidade para melhorarem as condições de vida do local onde estão radicados, e que têm poderes de intervenção importantes na escolha de parte dos órgãos legislativos nacionais e das assembleias municipais, o seu grau de participação na vida política seguramente aumentará, e os partidos deixarão de aparecer como feudos inexpugnáveis, pois aumentará o grau de permeabilidade entre eles e os cidadãos.
Trata-se de propostas algo arrojadas, mas que paradoxalmente serão tanto mais necessárias quanto aumente a falta de contacto directo entre as pessoas que a vida moderna tem vindo a impulsionar, e que não é totalmente substituído pelas restantes formas de intervenção possibilitadas pela melhoria do sistema de comunicações, designadamente as de natureza electrónica.
Aos partidos políticos nada é retirado com a aplicação destes princípios, antes pelo contrário, pois o aumento da participação política a nível local teria decisivo papel na melhoria do respectivo funcionamento e na sua ligação aos eleitores, atenuando-se a o existente fosso entre uns e outros.
Tais propostas têm porém um obstáculo no que respeita aos limites materiais da Constituição:  a obrigatoriedade do sufrágio directo para a designação dos órgãos de soberania.
Algo que a presente reflexão promovida pela SEDES poderá ajudar a equacionar.
15.Março.2013.