domingo, 14 de julho de 2013

O "constitucionalista". ("Ponto de vista")


Conforme o disposto na Constituição (art.º  195º, n.º2), o Presidente da República só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado.


Não irei usar epítetos  para classificar tal intenção que me valham a instauração de eventual processo pelo Ministério Público, mas não deixarei de me surpreender pelo exercício de adivinhação pressuposto por tal anunciada “irrevogabilidade”, conceito tão na moda desde há dias (e aliás confundido com a noção de irreversibilidade”).Curiosamente não parece muito claro que numa Constituição tão minuciosa esteja expresso qualquer sistema inequívoco de validação pelo Tribunal Constitucional de um acto decisório tão relevante para o sistema democrático, assim deixado ao arbítrio de uma única pessoa .

Parece porém evidente que tal intenção vai ao atropelo do espírito da Constituição, acrescendo que é formulada por alguém que a tem invocado constantemente, e que talvez tenha como objectivo ressarcir-se de procedimentos ou de inacções que desde 2010 contribuiram para que Portugal se encontrasse na situação politicamente pantanosa em que está, procurando (em fundo inconfessado) levar o Primeiro-Ministro a demitir-se para então promover um “governo presidencial”.

Independentemente dos eventuais méritos e falhas do Governo actual, não deixa de ser  surpreendente o recurso a um “artifício para-constitucional” para forçar a demissão do Primeiro-Ministro, artifício corroborado por outro atropelo à Constituição, pois sendo público que foi apresentada ao Presidente da República uma “solução” governativa que continha diversas propostas de nomeações para o Governo, e estatuindo a Constituição que (art.º 133º) compete ao Presidente nomear e exonerar os membros do Governo, sob proposta do Primeiro-Ministro, o respectivo silêncio corresponde a uma desautorização deste último.

O objectivo presidencial parece ser assim a formação de um novo governo com apoio expresso da actual maioria e o “apoio implícito” do terceiro maior grupo parlamentar, aliviado por não haver eleições a breve prazo mas satisfeito pela perspectiva de poder vir a dirigir o governo em meados de 2014 (aliás dois meses depois das eleições para o Parlamento Europeu...).

Contornando o estabelecido na Constituição, quer quanto ao momento actual, quer em intenções para o próximo ano, eis um Presidente que deixou de ser “constitucionalista” e que passou das manobras de bastidores à inacção, e desta à hiper-actividade.

Resta saber se em caso de falha destas intenções virá a renunciar ao seu cargo.

14.Julho.2013.