Um espírito europeu.
Regresso ao tema que abordei há algumas semanas, mencionando então que
não foi por acaso que os primeiros Encontros Internacionais de Genebra,
realizados em 1946 quando ainda estavam quentes as cinzas do terrível
conflito que marcou o início de uma nova era no Mundo, foram
precisamente dedicados ao tema "Espírito Europeu", vindo a influenciar
os passos que pouco depois se deram e estiveram na origem de
instituições europeias que procuravam assumir um papel que corrigindo as
perspectivas colonizadoras que tinham caracterizado até então a
intervenção de diversas nações europeias no mundo procurasse ao mesmo
tempo demonstrar a nobreza de um pensamento que afirmasse os princípios
da democracia e da igualdade.
Talvez não tenha sido também por acaso que os passos que se deram cerca
de dez anos depois visando a construção de uma união europeia acabaram
por reflectir as naturais dificuldades que resultavam de não ser fácil
identificar a existência de um "espírito europeu" comum a tantas
nacionalidades, culturas e estados, pelo que se optou pela perspectiva
de se dar prioridade à construção de um mercado comum visando em
primeiro lugar reduzir as possibilidades de confrontos militares, em vez
de se iniciar desde logo um caminho de uma Europa sem fronteiras que
fomentasse o intercâmbio do pensamento e permitisse então uma melhor
percepção de um espírito europeu - este então capaz de abrir caminho
para uma União Europeia mais sólida, e de se apresentar ao resto do
mundo como um farol no caminho para a democracia e liberdade política.
É certo que grande parte do resto do mundo, não o esqueçamos, não deixa
de recordar o papel que diversos estados europeus tiveram nos últimos
cinco séculos, impondo a sua presença militar à grande maioria das
nações, em que genocídios e escravatura não deixaram de marcar presença,
e digladiando-se ao mesmo tempo na Europa em ferozes confrontos que de
modo nenhum poderão ter constituído exemplo, conflitos esses em que foi
relevante o papel de ditaduras e de posições de natureza étnica e
confessional que ainda há poucos anos observámos nos Balcãs e em outras
áreas da Europa.
E, contudo, sentimos que há um "espírito europeu" latente na grande
maioria dos nossos cidadãos, assente em valores de tolerância, de
fraternidade, e de liberdade política, sem cujo aprofundamento será
difícil solidificar a actual União Europeia.
Não poderemos porém deixar de dizer ao mundo que lamentamos os aspectos
negativos dos contactos que com outras nações e povos mantivemos, e que
estamos empenhados em contribuir para que num globo cada vez mais
interdependente se imponham os valores que defendemos.
Sem que tal "espírito europeu" esteja mais presente nos nossos pensamentos, os dirigentes da União Europeia - nomeadamente os futuros - dificilmente poderão tirá-la da situação pantanosa em que se encontra.
Cabe aos pensadores, e aos cidadãos em geral, reflectirem publicamente
sobre estas questões, pois sem a consciência desse espírito não haverá
uma Europa, mas apenas um continente europeu.
Portugal, donde partiram as primeiras caravelas, e que foi o último
império a terminar a colonização política, poderá iniciar um encontro
europeu para debater estas matérias. Onde ?
No simbolismo de Sagres.
2.Junho.2013.